29 novembro 2005

Negócio da China só com muito preparo

Carolina Sanchez Miranda

Com a economia da China ganhando mais força e influenciando o desempenho das empresas em todo o mundo, os executivos brasileiros precisam se preparar para fazer negócios com aquele país. Hsieh Yuan, diretor responsável pela prática chinesa da KPMG, afirma que a primeira coisa que o profissional precisa conhecer é a cultura e a tradição locais. É preciso saber, entre outras coisas, que não se deve comentar sobre política e nunca presentear objetos com imagens de tartaruga ou relógios, que simbolizam a morte. O executivo deve aprender o mandarim e ter um tradutor.

São Paulo- Conhecer e respeitar costumes do gigante asiático são armas importantes para os executivos do Brasil. A economia chinesa vem ganhando cada vez mais força e tem influenciado o desempenho das empresas em todo o mundo, inclusive no Brasil. Por isso, os executivos do País precisam se preparar para fazer negócios com os chineses. "Os brasileiros sempre estiveram prontos para responder à movimentação dos mercados europeu e americano. Hoje, se a China mexer no câmbio, também seremos afetados", afirma Hsieh Yuan, diretor responsável pela prática chinesa da KPMG.

A primeira coisa que o profissional precisa conhecer é a cultura e a tradição locais, que estão muito presentes na rotina dos executivos. Para se ter uma idéia, ninguém abre um escritório sem consultar um especialista em feng shui. "Quando se começa um negócio, a primeira coisa que um chinês faz é chamar um especialista para verificar se a porta, as janelas, as mesas, o caixa, etc estão posicionadas de maneira harmônica com o feng shui", conta.

O empresário que tiver uma sala comercial na China também não pode ignorar esse princípio. Assim como não deve deixar de seguir o quanxi e o mianzi, que, de maneira bem simplificada, podemos chamar de protocolos de relacionamento. Para se entender do que se trata, Yuan usou exemplos práticos. "O executivo respeita o quanxi quando procura ser apresentado ao empresário com quem pretende fazer negócio, por um chinês que já tem um relacionamento com esse profissional", diz. "Essa prática se disseminou por conta da inexistência, por muito tempo, de um processo jurídico desenvolvido. Assim, ser apresentado é como ter um avalista no mundo do negócio", completa.

"Mianzi (fala-se miandz) tem um conceito um pouco mais complexo", afirma Yuan. De acordo com o mianzi, nunca se pode deixar um colega em situação constrangedora. Não se pode criticá-lo ou apontar seus erros diante de todos.

Segundo Yuan, mianzi é reverenciar o outro, colocá-lo em uma posição privilegiada. "Quando um chinês envia o motorista com seu próprio carro para buscar o outro no aeroporto, está oferecendo o mesmo conforto que ele tem. Isso é uma demonstração de mianzi", explica.

Muitas vezes, o executivo brasileiro embarca em uma missão internacional sem saber de nada disso. Em outros casos, tem um ou dois dias para absorver esses e outros conceitos antes de embarcar para China. "As empresas não liberam os funcionários por mais de dois dias para o treinamento", contam as sócias da Going Global, Vivian T. Leite e Andrea Fuks Ribeiro.

Nesse contexto, o treinamento trabalha, principalmente, a atitude do executivo diante de uma nova realidade sócio-cultural e oferece dicas do que se deve e o que não se deve fazer para manter um bom relacionamento com os chineses.

Vivian e Andrea afirmam que, para começar a desenvolver o quanxi, vale a pena puxar assunto. "Os chineses adoram falar de futebol e gostam, especialmente, do Ronaldinho, do Ronaldo e do Romário. Além disso, adoram falar sobre o crescimento econômico da China", comentam. "Mas é arriscado falar sobre política, principalmente quando a intenção é criticar o Mao."

Presentear não é proibido, mas é preciso cuidado. "Não se deve oferecer nada com imagens de tartaruga, pois representa a morte. O relógio também representa a morte", recomendam. "Um boné com o logo da empresa não é ofensivo, desde que não seja da cor verde, pois seria o mesmo que dizer que o homem que o recebe é traído pela mulher."

Essas informações são importantes, mas ainda não tornam o profissional plenamente apto para lidar com os chineses. "Existe uma percepção dos estrangeiros de que ter conhecimento da importância do feng shui, do quanxi, do mianzi e de outras peculiaridades da cultura é a solução para a relação com o país, mas são só entendimentos básicos", alerta Carlos Arruda, professor e diretor de desenvolvimento da Fundação Dom Cabral (FDC).

De acordo com Arruda, as grandes dificuldades estão na compreensão da lógica do "negócio da China". "Os negócios fechados pelos chineses visam a obtenção de grandes vantagens, mas para eles. Quem sai daqui tem que saber que vai fazer negócios na China e não ‘negócios da China’, como a expressão pressupõe", esclarece.

Um exemplo desse tipo de negócio é o que aconteceu com uma multinacional, que preferiu produzir parte de seus produtos em Taiwan e não na China. "A companhia começou a sofrer uma forte concorrência de produtos pirateados e recorreu ao governo chinês, que fez vista grossa para o problema até que eles aceitaram transferir a produção para o país", recorda.

Arruda diz que a postura dos chineses explica-se pelo fato de terem plena consciência de sua força econômica. "O processo de crescimento é tão acelerado que faz a China operar em uma lógica onde tudo é mutável, os contratos não são assinados para serem seguidos, são apenas a base da relação. E isso não é visto de maneira negativa por eles."

Para ajudar os executivos a se inserirem nesse contexto, a FDC realizou, em setembro, o programa internacional "China: oportunidades e desafios", que levou executivos e empresários para o país. As atividades incluíram a participação na XIX Feira Internacional da China para Investimento e Comércio, em seminários e em visitas técnicas a empresas chinesas. Por fim, o exe-cutivo que deseja negociar na China precisa aprender o mandarim tradicional, além de ser acompanhado de um tradutor.
Fonte: (GAZETA MERCANTIL - 28/11/2005).